domingo, 20 de maio de 2007

Bolinhas


Conheci-o à muito muito tempo, ainda era novinho e também eu! Não o quiseram e deram-no ao meu pai que, coração de manteiga, ficou com ele. Chamava-se Bolinhas, era peludinho, braquinho, adorava correr connosco enquanto dávamos voltas de bicicleta pelas rectas da zona de Foros da Charneca...
Um garanhão, passava a vida a fugir para ir ver as namoradas e só voltava ao anoitecer todo sujo, cheio de lama, carrapatos e carraças; às vezes ferido, esfomeado e carente de festas que eu lhe dava de bom grado, a qualquer hora sentada no chão com ele... Catava-lhe as carraças e os carrapatos que se colavam ao pelo encaracolado dele, e ele sempre tão paciente e calmo adorava que lhe fizesse aquilo, que lhe desse aquela atenção que durante a semana nem ele a tinha nem eu a podia dar...
Protegia, estava lá para nós, seguia-nos para todo o lado, era o primeiro que cumprimentava assim que lá chegava e quantas vezes era o único que estava solto, porque ele próprio se soltava e esperava-nos à entrada do portão...
Era o meu fiel companheiro, o mais velho de todos e que se comportava, de facto, como se fosse o mais velho, o que merecia mais respeito e o que nunca estava para grandes brincadeiras, algo arrogante para os outros até mas no fundo só eu sabia como ele era, o brincalhão, o paciente, o dócil e que quase me dava a sensação que percebia tudo o que dizia e tudo o que sentia apenas pelo meu olhar...

Um dia o meu pai trouxe-o para lisboa na esperança de o tirar da má vida, já tinha tido problemas de coração e tinha de tomar alguns medicamentos para isso, marcou uma tosquia para o pôr mais apresentável e ele uma noite fugiu como era costume... Desta vez não voltou sujo nem magoado, nem pulguento nem carente... Não voltou, nunca mais ninguém o viu.


Este post é uma enorme dedicação ao meu Bolinhas.

1 comentário:

Edu Pontes disse...

que post lindo, me fez chorar. estou certo de que o Bolinha foi muito feliz ao seu lado. Fiquei impressionado com a maneira como você o descreveu, conhencendo-o assim como só você conheceu é que me convenço do grande amor que vocês partilharam. Lindo demais!