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sábado, 22 de março de 2008

Velharias

Aquele café,
Aquela mesa para quatro,
Sentados lado a lado
Mas quase frente a frente.


Duas chávenas na mesa,
Dois pacotes de açúcar meio cheios,
Dois copos de água já bebida,
Um cinzeiro cheio de nervosismos.


O ar pesado de tensão,
Remoinhos no estomago,
Meias conversas,
Jogos de palavras...


Toques quase por tocar,
Carinhos,
Medos,
Olhares discretos e indiscretos.


E o beijo no final,
Interminável,
Insaciável,
Livre de tudo a que pudesse estar condicionado,
Único
E jamais de novo alcançável.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Dia Mundial da Poesia

Bocage

Entre as tartáreas forjas, sempre acesas,
Jaz aos pés do tremendo, estígio nume,
O carrancudo, o rábido Ciúme,
Ensanguentadas as corruptas presas.

Traçando o plano de cruéis empresas,
Fervendo em ondas de sulfúreo lume,
Vibra das fauces o letal cardume
De hórridos males, de hórridas tristezas.

Pelas terríveis Fúrias instigado,
Lá sai do Inferno, e para mim se avança
O negro monstro, de áspides toucado.

Olhos em brasa de revés me lança;
Oh dor! Oh raiva! Oh morte!... Ei-lo a meu lado
Ferrando as garras na vipérea trança.


Cesário Verde

Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.

Sentado à mesa dum café devasso.
Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura.
Nesta Babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.

E, quando socorreste um miserável,
Eu que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.

«Ela aí vem!» disse eu para os demais;
E pus-me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.

Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, - talvez não o suspeites!-
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.

Ia passando, a quatro, o patriarca.
Triste eu saí. Doía-me a cabeça.
Uma turba ruidosa, negra, espessa,
Voltava das exéquias dum monarca.

Adorável! Tu muito natural,
Seguias a pensar no teu bordado;
Avultava, num largo arborizado,
Uma estátua de rei num pedestal.


Alexandre O'Neill

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.


Hoje, dia mundial da poesia deixo-vos estes escolhidos de entre muitos para se deleitarem, assim espero eu. Escolhidos ao acaso? Há alguma coisa que façamos por acaso?... :)

Para quem estiver interessado, nomeadamente ao poema de Bocage, definições de algum palavreado: estígio - rio ou lago do inferno da mitologia grega; rábido - cheio de raiva, furioso; fauces - garganta, guela; àspides - pessoa maldicente

domingo, 14 de outubro de 2007

...

Já que não nascem melhores e memoráveis momentos vão-se recordando alguns já passados, nomeadamente poemas...

«Fada de olhos atraentes,
adoro-te minha terrível paixão!
Com a sinsera devoção do padre pelo seu ídolo.
O deserto e a floresta empregran-te os cabelos
E mostras nas atitudes do enigma e do segredo.
Na tua carne o perfume paira como num incensório;
Encantas como o crepúsculo, ninfa quente e tenebrosa.
Conheces a carícia que faz reviver os mortos!
As tuas ancas graciosas amam as costas e os seios
e as tua lânguidas poses fascinam os travesseiros.
As vezes dás-me, sem te perturbares, mil beijos e mordidelas;
Morena, tu despedaças-me!
mas logo pões no meu peito, como a lua, um doce olhar...»

Baudelaire.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Soneto de Amor

Para quem gosta de poesia, um grande escritor português e um grande apaixonado também (pelos vistos), José Régio!

Soneto de Amor

Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma... Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas, uma língua,... - unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois... - Abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!