quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Quem somos nós afinal?

Um dia nascemos, nascemos e somos acolhidos pelos nosso progenitores (há excepções infelizmente) que nos alimentam, cuidam, dão carinho e labutam todo o dia para nos darem uma existencia materialmente rica; alguns melhor que outros conseguem ainda dar-nos as ferramentas invisiveis para nós proprios sermos boas pessoas em sociedade, filhos educados, bem comportados, respeitadores...

Depois crescemos (e perdemos a piada toda :P) e nas tenras idades sofremos das rédeas dos nossos pais (uns mais que outros) em tudo quanto são assuntos e matérias: "não faças isso", "vai arrumar aquilo", "está quieto(a)" e por ai adiante. Para muitos os pais são aquelas figuras chatas que aparentemente não nos fazem falta mas não nos largam; à medida que evoluimos no nosso processo contínuo de aprendizagem algumas coisas começam a parecer ter um valor que nunca tiveram antes. Depois há as proibições impostas nas idades mais rebeliosas que nos revoltam e nos fazem pensar o tipico pensamento "quando tiver 18 anos saio de casa para poder fazer tudo o que quiser" ou "quando tiver 18 anos já não me podem proibir e posso fazer o que quiser". E por muitos anos os nossos pais são sobvalorizados por nós mesmos.

Crescemos mais um pouco e os nossos pais já estão mais "ao nosso lado" do que "por cima de nós". Na maior parte dos casos (espero eu) percebemos tudo por aquilo que nos fizeram passar e como sem eles não seriamos o que somos. E como pensamos "quem nos dera ser crianças de novo" ignorando já tudo aquilo que "sofremos" debaixo das suas regras.

Com tanta evolução cronológica os nossos pais também evoluem connosco e, eventualmente, com a velhisse regridem em alguns aspectos (muitos as vezes) e um dia precisam de nós. Que tratemos deles, que os acolhamos na nossa protecção, na nossa vida já composta, que os alimentemos, cuidemos, que lhes dêm carinho e, no fundo, também trabalhemos para o conseguir, para conseguir dar-lhes aquilo que nos deram a nós quando precisámos. Igualmente precisam que se lhe imponham regras e melhores hábitos para os proteger, "não mexas no fogão que te podes queimar", "não desças as escadas sosinho (a) que podes cair" etc... [Cada caso é um caso e eu estou a elaborar uma das hipóteses.] E os acompanhamos pela velhisse, uma idade que tem tantos que se lhe diga, uma série de transformações físicas e surgimento de incapacidades que os afectam tão profundamente e que o apoio dos que eles um dia criaram é fundamental para terminarem a sua vida, um dia, da melhor maneira.

E depois existem aqueles que nada disto fazem, sejam os motivos eles quais forem nunca serão justificativos de tal desnaturo. Toda esta "lenga lenga" para falar em abandono e negligência para com os idosos. "Ah, os velhos são chatos, estão sempre a falar da mesma coisa e nunca se calam"; "os velhos isto... os velhos aquilo..." Esses velhos já foram novos e cuidaram de nós, deram-nos tudo aquilo que precisávamos para sobreviver um dia. É desumano saber de filhos que abandonam os seus pais à sua sorte quando estes se tornam um "incómodo". E uma breve história de alguém que pode ser, quem sabe, a história de alguém bem perto de vós. (e infelizmente a história de muitos)

Uma senhora, muito velhota, todos os dias vai almoçar ao seu café restaurante ao fundo da rua, tem necessidades, birras, hátidos como qualquer velhote (e muito similarmente como qualquer criança em determinada idade). O almoço que come inclui uma sopa, pão, bebida, prato, sobremesa e café. Desse prato a sopinha e o pão quase sempre os leva com ela para mais tarde para o jantar. O almoço é a sua primeira refeição do dia, depois a meio da tarde um copo de leite também tomado no mesmo café ao fundo da rua e o jantar a sopinha de lá levada. As suas roupas são sempre as mesmas, provavelmente até lavadas a mão todas as noites ou noite sim noite não. Nos seus hábitos muitas coisas podem faltar mas não falta nunca a visita ao seu falecido marido ao cemitério, todos os santos dias, sempre à mesma hora, durante sabe-se la quantos anos. Com a idade e com a solidão medos começam a surgir como não querer sair de casa sosinha ou não arredar pé do café até o seu filho chegar para a levar. Dois filhos teve e criou, e dois filhos a desprezam. Para não me prelongar na história conto só um pequeno episódeo que acho que consegue retratar por completo a miséria de tais filhos.

Na véspera de Natal o café ao fundo da rua fechou mais cedo, ainda serviu almoços mas as 5h fechou e só reabriu dia 26. Nos dia 26 a senhora lá foi de novo almoçar, muito confusa perguntou, "ontem estiveram fechados porquê? Esteve tudo fechado..." a que a senhora do café lhe respondeu "ontem foi Natal minha senhora e anteontem véspera de Natal, os seus filhos não a vieram buscar?" ao que ela respodeu "Natal? Ah foi? Não sabia... Não comi nada desde que fecharam..." E a conversa continuou um pouco mais, a senhora pediu, quase envergonhada, se á tarde lhe preparava uma omolete para ela jantar.

Moral da história: uma mãe viuva com uma reforma pequena que só consegue usar a sua casa para prenoitar e até a sua hegiene deixa muito a desejar que as capacidades já não devem ser muitas; e dois filhos perfeitamente saudáveis (fisicamente) e empregados que não convidam a mãe sequer para a noite de Natal quanto mais o resto do ano. As vezes costuma-se dizer, "nunca nos vemos, só mesmo no Natal", esta nem no natal teve jantar nem companhia. Ma vivemos em alguma sociedade de monstros? Não há o minimo peso na consciência? Pelos vistos não, se houvesse isto não acontecia.

4 comentários:

tiago disse...

é dos post mais bonitos que escreveste.... isso é um retrato realista da sociedade de hoje. Mas nestes tempos da flexi segurança, rapariga os mais velhos acabam de ter de sobreviver assim. hoje as pessoas não fazem contratos como antigamente.... o contrato é mensal e podes acabar por ir trabalhar noutra localidade se não renovarem.... nestes tempos a família encontra-se mais preocupada em sobreviver que propriamente a pensar nos idosos. Claro está que depende muito da idade dos familiares directos, proximidade e estabilidade social. é mais fácil a uma pessoa que tem um ordenado de 1200 euros mês dar assistência há família que uma pessoa que recebe num full time 600 euros mais um part time de 400 e no fim do dia mal tem tempo para respirar. Prepara-te que esta é a realidade de muitas famílias. Os tempos são outros e mesmo que isso não seja uma desculpa acaba por ser um factor primordial. Quanto melhor for o teu nível de vida mais tempo vais ter para a família. No fim do dia eu penso que a ideia é nunca deixar os mais idosos perder os seus núcleos de amigos .... e o mesmo digo para ti. nunca percas o contacto com os teus amigos e mantém essas ligações no dia a dia e no futuro.... o amor e família é bom mas também dá sempre jeito manter os laços de amizades. Digo te isto porque começo agora a ter uma ideia da vida de trabalho neste pais e digo te que para muita gente não é fácil.....

Ana Cleto disse...

Eu perebo tudo isso que disseste e concordo, em parte. A vida de hoje não é fácil nem para um casal nem para um individual e muito menos para uma familia com filhos. A questão está no facto de, se nós não podemos cuidar deles e eles não podem cuidar deles mesmos, alguém tem que cuidar! E não são os idosos que vão procurar a net ou informar-se junto das entidades um sitio à sua medida (medida de euros) onde lhes sejam prestados os minimos cuidados de higiene, segurança e alimentação. Isto acontece muito em idosos cujo conjugues já faleceu ou está totalmente incapacitado, divorciados ou que nunca casaram. Pode custar sim, ajudar monetariamente e as vezes mesmo em presença mas os telefones também remedeiam um pouco isso. Como o caminho mais fácil é "deixa-los lá" , estes filhos nem se importam em, pelo menos, deixa-los lá mas em algum sitio onde os cuidem... Interessam-lhes mais em que que morram para cá ficar o dinheiro que eles não tiveram tempo para gastar. (desculpa a crueza, mas isto é verdade em mais casos do que devia)

E enquanto a velhisse que podia ser vivida como os "anos de ouro" (ou pelo menos minimamente bem vivida conforme as reformas), é vivida em volta em latão.

tiago disse...

eu percebi e concordo plenamente contigo. Penso que hoje os pais planeiam o futuro dos filhos e os filhos e pais devem planear a reforma dos pais.... penso que é mais uma questão de educação, planeamento e respeito dos filhos pelos pais.... cada caso é um caso e ajudar é sempre importante... Abandono não é solução nenhuma e por isso essa malta devia era ter vergonha. A familia deve reunir-se e tentar encontrar uma solução. Mas infelizmente o que acontece é que todos os familiares fogem e tentam passar a batata quente para uma alma caridosa. Nas famílias mais carenciadas o factor monetário é o mais importante e acredita que o encontrar uma solução digna para os idosos acaba por ser complicado.... pois eles vão perdendo autosuficiencia e vão requerendo mais tempo o que é complicado..... Penso mesmo que o planeamento é o mais importante mas ninguém o faz nem vai fazer. E como as pessoas ganham pouco (reformas e salários) as condições em que vivem vão se degradando. Pagar a alguém para cuidar sai caro... enviar para um lar tb.... cuidar directamente da pessoa é complicado tb hoje muitas famílias tem 2 empregos por pessoa.... Compreendes??? é uma situação difícil de lidar e por isso só mesmo com planeamento podemos simplificar. Nada disso é desculpa para não ajudar, mas por isso ser um problema temos de lidar com ele antecipadamente.

Ana Cleto disse...

Pois é, esperemos que num futuro próximo e com a sensibilização disso hoje isso mude...